domingo, 16 de novembro de 2008

Ensaio cínico para juristas em potencial - 3

Às vezes demora, mas me parece que sempre uma coisa ou outra me leva a querer falar mal da faculdade de novo. Acho que a distância vai facilitando na hora de fazer um balanço.

A bem dizer, tenham certeza de que não é tão ruim quanto faço parecer ser. Conheci muita gente boa, passei muitos bons momentos, e tive alguns professores excelentes, dos quais nunca esquecerei. Por outro lado, tive incontáveis decepções, conheci um bocado de gente absolutamente besta ou boçal, e tive uma maioria de professores que - olha, melhor não começar. Eu digo que a minha professora de filosofia trocava Sócrates por Aristóteles, vocês se fazem de indignados e ficamos por isso mesmo.

Talvez seja uma baita injustiça jogar em cima da faculdade a culpa por coisas que pouco têm especificamente com ela: o impacto dos primeiros contatos com a vida adulta, a negação dos sonhos idealizados sobre a profissão. Cada vez mais me parece que a aculturação e o tecnicismo que assolam a faculdade de Direito não são exclusivos, mas uma tendência universal. E não só os ritos de passagem dela tornam-se caducos, mas quase todos em toda parte: trotes, formaturas, casamentos, funerais - quantos deles são realmente significativos para seus participantes?

Injustiça ou não, saiba: a faculdade de direito é decepcionante. Seus freqüentadores são aculturados. Seus ritos são caducos.

Se os primeiros períodos não o convencerem disso, os períodos seguintes provavelmente o convencerão. Mas se por acaso não convencerem, sempre há a experiência profissional.

Conquistar sua carteira de estagiário da Ordem dos Advogados é como adquirir um trialware da firma de Lúcifer. Por um lado, é como aquela piada em que o capeta faz um tour do inferno para Bill Gates, mostrando um lugar agradável onde os ricos passam seus dias jogando golfe, e depois, quando Gates decide ficar, descortina poços de lava onde os mesmos ricos são queimados, chicoteados, etc: você a adquire sem esforço nenhum, nenhuma prova, quase nenhum comprovante, nada. Participa de uma cerimônia cheia de pompa com os cabeças da OAB, trajando sua melhor roupa, sendo tratado como igual. Então numa boa hipótese você arruma um estágio: respondendo a um dos anúncios dos murais da faculdade ou, se tiver a sorte que eu tive, por meio de um conhecido da família ou amigos. Está prestes a ingressar no emocionante mundo da prática jurídica.

Maravilha! Você veste novamente seu melhor (possivelmente único) terno e segue feliz e contente para o escritório. Lá chegando, após mostrar as instalações e seus colegas, o chefe lhe dá sua primeira tarefa - muito provavelmente das duas uma: ou lhe mostra como fazer o acompanhamento processual, ou lhe manda para a rua.

Acompanhamento processual é a modalidade jurídica da tortura chinesa, só que ao invés de gotas d'água, pingam-se intermitentemente na testa do torturado números de 15 ou mais dígitos e frases como "Cediço de que o prazo não inferior a dez dias para a realização da audiência no rito sumário conta-se da data de juntada aos autos do mandado citatório/intimatório cumprido. (sic)" Em escritórios realmente grandes, em que o número de processos beira ou até passa a casa do milhar, certamente a maneira correta de responder à frase "estagiário, verifique aí a situação de todos os processos" seria "ora, enfie seus processos no cú!". E se hoje em dia, quando até a justiça brasileira está informatizada, pode-se verificar processos pela rede no confortável ar-condicionado do seu escritório ou da sua casa, em tempos idos, "verifique os processos" estava incluso em "vá pra rua", e envolvia filas dantescas nas áreas das máquinas de consulta processual dos tribunais, nas quais o estagiário passava boa parte da sua vida, bem como o transporte de volumosas tiras de papel com os resultados das consultas, que garantiriam que, caso quisesse, o referido estagiário poderia dispensar a compra de papel higiênico.

Já ir pra rua, se você mora no Rio de Janeiro ou qualquer lugar com a temperatura equivalente, superior ou até mesmo um pouco inferior, é a parte na qual você compra a licença do trialware do inferno e percebe que palavras como "quente" não passam de pálidas representações da realidade.
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Ainda continua...

5 comentários:

Unknown disse...

É, a faculdade d dto realmente é (meio) decepcionante... Mas eu recomendaria q todos fizessem ao menos 1 semestre... Ou vc não concorda?

http://blogdapattyandrea.blogspot.com

Roger disse...

mermão, te digo uma coisa: UNIVERSIDADE (e aí eu tou botando todos os cursos no mesmo balaio, não só direito que eu não conheço, mas vc já malhou) é uma instituição em sí caduca, que funciona MAL e privilegia pessoas não necessariamente capazes.

direito pelo pouco que eu conheço tem lá suas mazelas bônus, mas quem sai da faculdade e diz que tem SAUDADE é puto ou falso.

Unknown disse...

Direito não é um curso, é um processo "estupidizador" da mente. Se entramos lá com nossos sonhos filosóficos ou ânsias reformadoras, saimos emburrecidos e idiotizados. É tudo uma conspiração contra a inteligência...professores-código a ostentar seus títulos de doutores em sua cara; alunos-vade-mecum a ostentar seus carros do ano; moiçolas casadoiras sem nada na cabeça e aí vai. Sinto muito que um curso que foi pátria da maioria de nossos intelectuais esteja nessa calamidade em que está hoje.

Unknown disse...

Por isso odeio direito :D

http://tiomah.blogspot.com/

Heitor disse...

Eu recomendaria que uma base de direito fosse ensinada no colégio, patricia. Pq é evidente q todo mundo precisa de um mínimo de conhecimento da coisa...

Os outros cursos, ou a universidade em si... aí é outra análise e um buraco talvez mais em baixo. Ou melhor, é uma outra zoação, q lugar de análise é no divã.