terça-feira, 2 de março de 2010

BBB = Armação ilimitada?

Não foi tão breve mas, cá entre nós, falar de BBB é ainda mais difícil e requer ainda mais esforço do que vê-lo. Até aqui, pelo menos nestas férias, o videogame ganhou quase sempre...

Mas o programa de hoje me deu oportunidade de ver com mais exatidão duas coisas que já vinha dizendo/pensando há algum tempo; sobre uma já escrevi no último post e acrescentarei pouco, sobre a outra, ainda não, e pretendo elaborar mais.

Primeiramente quero observar como os últimos dois paredões desta edição do programa ilustraram melhor ainda a questão do "verdadeiro eu", mais até do que o exemplo que dei anteriormente. Nas duas vezes, quase todos os participantes preocuparam-se muito em mostrar, principalmente dentro do "confessionário" e fora dele, que eram genuínos, que eram, enfim, "eles mesmos". Já falei bastante porque isto é absurdo e impossível; resta tentar saber porque é desejável, e a resposta vai nos jogando logo para a segunda coisa sobre a qual quero falar: ser "eles mesmos" é importante porque "significa" (não significa, mas parece significar, o que, nessa situação, dá no mesmo) ser sincero. E ser sincero, por sua vez, é importante porque, por um lado, é uma característica apreciada, moralmente falando, e o critério para o voto do público passa, em boa parte, por uma avaliação (tosca) de caráter dos participantes; por outro, porque convence o público da genuinidade do próprio programa, a partir de uma alegada não-conivência do participante com qualquer espécie de roteiro-armação.

Isto é na verdade o desdobramento natural do problema do "verdadeiro eu", lançado agora sobre o produto inteiro. Se o programa não é, ele mesmo, genuíno, não pode mostrar nada de genuíno, e genuinidade é o que ele vende; se há armação, não há "reality" - e é sobre isto que quero falar agora. Afinal, BBB é ou não é armado?

A maneira como geralmente esta questão é inicialmente abordada é típica de criança que caiu num truque de mágica bobo e está tentando entender como a moeda poderia ter saído de sua orelha. Fala-se em roteiros e papéis previamente distribuídos, em ordens vindas da produção durante a estadia na casa, e semelhantes. Orgulhosamente, a rede globo disponibiliza o pay-per-view como quem diz "vamos, pode olhar a cartola, a pomba não está escondida aqui dentro" (mas cobrando um extra pela inspeção), e há muita gente que, após, fica convencida de que a mágica é real quando, como de costume, o truque é bem mais evidente do que se imaginou.

No caso, há principalmente dois truques. Um já apontei, mas não custa repetir: o programa é uma armação pela sua própria premissa. É genuíno apenas de forma semelhante a um labirinto de camundongos. Seus participantes são lá postos numa situação extraordinária, na qual são obrigados a assumir um determinado papel e se dispõem, todos, ao mesmo objetivo. E o roteiro do tipo resta-um é explicado inteirinho pelas regras do jogo, a cada semana sendo repetidas as mesmas etapas, com ligeiras variações, até a determinação do vencedor. Todos sabemos desde o começo o tipo de relação que se estabelecerá entre os participantes, e todos sabemos mais ou menos o que vai acontecer, e inclusive sabemos que, no final, um deles ganhará. Só a conjuntura é que muda a cada edição, com uma ou outra surpresas, e com atores diferentes preenchendo os papéis; papéis que, por sua própria natureza, não podem nunca diferir demais um do outro, nem de uma edição para a outra. Parecido com o que ocorre com filmes de ação, comédias românticas, ou - você adivinhou - novelas. Claro, mesmo com o público sabendo que, no final, a mocinha fica com o mocinho, que o herói derrota o vilão, etc., estes gêneros não deixam de ser populares, e o mesmo vale para o reality, que conta com o privilégio de deixar o público escolher quem são os mocinhos. Mas não quero debater o papel da surpresa e da estrutura na narrativa, o que, novamente, seria muita areia para este caminhãozinho.

Voltemos à frase anterior: o público escolhe o vencedor. Escolhe mesmo? Supondo que não haja nenhum tipo de fraude nas eleições do show (e quero deixar bem claro que, embora eu não ache que haja, inclusive pelo que estou prestes a expor, não há nada que o prove com certeza), baseado em que esta escolha é feita? Claro, nas opiniões do público. Mas estas, por sua vez, são formadas pelo que o público vê. E o público vê através das câmeras de televisão, postas lá pela produção, e que mostram, a cada momento, segundo o que é decidido pela produção.

Não há, certamente, nada mais evidente que isto, o que torna o truque ainda mais fabuloso. Acredita-se que o que se vê é genuíno mesmo quando se está assistindo a um programa de tv, gravado num estúdio de tv, num cenário montado pela tv, segundo regras estabelecidas pela tv, com uma programação criada pela tv, e mostrada na tv após uma edição meticulosa! Haveria realidade mais fabricada que esta?

Nem adianta argumentar que a farsa não resiste ao pay-per-view, como se ele não fosse parte do circo - afinal, às gravações de quem você pensa que está assistindo? Quem está escolhendo qual câmera passar, qual microfone ativar...? Claro, o filtro é menor, mas somemos a isto o fato de que ninguém pode acompanhar absolutamente todo o pay-per-view, sob pena de perder a vida (e não só metaforicamente, se levarmos a coisa ao limite), e de que, em nosso país tremendamente desigual, pouquíssimos têm os recursos e a disposição para participar tão ativamente de mais um instrumento de concentração de renda. Resumindo, mais até do que na das câmeras, e muito mais do que na do povo votante, o resultado do BBB está mesmo é na mão da edição, que escolhe meticulosamente o que mostrar, e em qual embalagem mostrar.

E, aliás, que edição! Ela é, disparada, a melhor coisa do programa, a única coisa que o torna tolerável. Assistir às edições do BBB, em especial as de terça, é como ver uma série de trailers ótimos apresentando filmes horríveis, e é admirável o trabalho que conseguem com este roteiro insosso e seu elenco fraco. Também é ótimo porque fica muito evidente que é ela, a edição, que compõe o grosso da direção: ela enquadra cada ator em seu personagem, inclusive designando-lhe por nomes e estereótipos, apresentando e conduzindo cada situação por eles protagonizada.

Se o leitor tem algum problema grave de memória e esqueceu de episódios icônicos como o debate presidencial de 89 entre Collor e Lula, talvez duvide da enorme influência de uma edição tendenciosa na opinião pública. Então peguemos o exemplo mais recente do programa de hoje. Cláudia foi eliminada com maioria esmagadora de votos. Na saída, o apresentador, Bial, a recepcionou pedindo que entendesse o que "nós vimos daqui": seu "namorado", Eliéser, chamando outra participante, Lia, para o paredão, e depois "deixando" que ela, Cláudia, fosse em seu lugar, com a conivência desta. Por esta "covardia", ela foi punida.

Você, que assistiu ao mesmo programa que eu, diga: quantas vezes este aspecto da decisão de Cláudia foi enfatizada pela edição? Dourado, que apontou a "covardia", a repetiu em inúmeras conversas; pelo menos três, se não me falha a memória, foram mostradas. Os acusados responderam algo? Sinceramente, é até difícil lembrar; basicamente não foi mostrado. Acho que em dado momento a edição mostrou Cláudia dizer que, além de ser uma escolha óbvia proteger alguém de quem se gosta (e não é?), ela nem tinha alternativas, já que os outros dois participantes próximos a ela (Dicésar e Michel) já estavam imunes. Rigorosamente falando, o que ela fez de errado? E quem decidiu dar destaque às opiniões que expunham seus atos como errados?

Isto é só um exemplo. O ódio ao eliminado geralmente começa cedo, e dele participa todo o circo armado pela produção, que vai para muito além dela, passando por toda a grade da emissora, a grande mídia impressa, e webmídias; mas todas passam, necessariamente, pela mediação das lentes da casa e da edição de suas imagens, e ela é - como poderia deixar de ser? - tremendamente parcial. Com outros assuntos, podemos sempre ter outras fontes para formar nossas opiniões; com o reality show, a armação é só o começo, e o espectador aceita sempre, implicitamente, ter seu juízo conduzido.

OBS: duro é depois disso ver o jornal acusando este ou aquele candidato de demagogo. Não que não sejam, mas tem mais demagogia nesse mundo do que Big Brother Brasil?

2 comentários:

O Rapouso disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
O Rapouso disse...

É rapaz, tu escreveu algo que eu sempre pensei, hehe.

Engraçado que outro camarada meu escreveu basicamente a mesma coisa em no blog dele, dá uma olhada: http://windblog.blogspot.com/2010/02/tenho-uma-confissao-bombastica-fazer.html

Ver o BBB está ficando cada vez mais intragável (assim como vc, tb sou meio que "obrigado" a ver as vezes por forças maiores, hehe). Fora tudo isso que você falou, ele ainda dá vazão para o público execrar tudo aquilo que ele como ser humano faz o tempo inteiro. Isso tudo fica resumido no discurso de eliminação Bial, aonde ele se coloca como o super homem que sempre tem uma lição a dar para aqueles que estão de fato vivendo a situação que está sendo criticada/julgada/comentada. É muito fácil julgar, mas ninguém percebe que o dedo que aponta na verdade aponta pro espelho.